homem não chora

olho um homem que, sei, engole o choro na borda da garganta
a qualquer momento a água atravessa
está prestes a inundar o aqui onde estamos
a veia do pescoço pulsa
o ombro retesado
as palavras poucas
e meu maior medo não é me afogar no que está prestes a jorrar
temo
porque sei 
que água de homem é dura
água de homem 
desenfreia
mata

andar dentro claudicante

e se eu cavoucasse o mundo e surgisse doutro lado? 
zerada. 
sem nada. 
tudo passado. 
nada de errado. 

cavoucar dentro em mim só me afunda, 
só me perco 
e desejo 
do fundo cavoucado 
sair gritando aos quatro cantos que
doeu.
tresloucada
sair de mim. 
quebrar coisas. 
me quebrar. 
mas só cavouco-e-enterro 
cavouco/enterro 
cavoucoenterro

fundo 

na minha pele, 
nas minhas entranhas, 
no meu instinto, 
num eterno esburacar. 

parece prece

Ruído que não se escuta vem quente como brasa nas minhas costas
num suspiro tão perto mirando a nuca
palavra sem som
Retorce, convicta, a flama de dentro 
Aventa a carne e clareia o dia
que havia já tomado rumo de tristeza

do que cresce dentro

Escorreguei num tanto meu que derramei pela sala tão tarde da noite que não quis limpar e parecia já seco e tão pouco ia sumir nem carecia preocupar um tanto ralo pra  grudar sujeira e resolvi esquecer que havia derramado um tanto de mim no meio da sala mas tomou forma de coisa que se esconde pra se esquecer e tomou rumo pra dentro da casa e pregou e grudou no que havia dentro e subiu e mudou o tom inundou e esperou meu tombo. Caí em mim. 

lagartixa corre

Deixo ouvir o som e o silêncio que vêm da boca das coisas. Deixo ouvir o cochicho do bicho do rabo que espicha e gritou minha avó que deve ser uma lagartixa. Deixei de ouvir que era pra matar a bicha: “pega a pá e joga lá, joga longe pra não voltar! mas chega pra lá que a vó não quer checar se pegou a bicha do rabo espichado”, só disse pra tomar cuidado pra ela não pular nem voltar correndo pro quarto andar. Pega a panela, melhor!, pega a vasilha vazia! mas a danada é fugidia e emplaca uma correria. Pega a danada, se não, mato à vassourada, dizia minha avó na voz assustada e gritava e eu não pegava por nada essa escabreada. Peguei a branquela na panela velha, já que a vasilha vazia vazava e a bichinha passava pelo buraco. Peguei a panela, pus logo em cima dela, apertei a tampa e parti pro mato. Apressada, já lá do outro lado, como quem diz “muito obrigada”, piscou pra mim a lagartixa do rabo esticado.

das coisas que esquecemos

à beira da janela descobri coisa talvez já sabida

se abrirmos bem a porta da boca
a ponto de engolir assobio de vento
fecharmos o olho sem força
enquanto o pensamento, alheado,
não se afoita em ler ou decifrar coisa alguma

saberemos - tão breve quanto esqueceremos:
o Agora, aqui tão presente, tem cheiro de chuva

poema manoelês

O homem embebido de mato
Sabe falá-lo como ninguém
Nasceu sabido da complexa língua dos gafanhotos
e desde aí sabe o que dizer a qualquer outro bicho que pula, corre ou voa
Decodifica o céu escuro
E incorpora qualquer água ao corpo
O homem que aprende a falar
Faz da palavra o que quer que ela queira ser
Até mesmo palavra alguma

O homem do mato fala muito
mesmo que não saiba letra-ponto-vírgula
mesmo que não haja outro de sua espécie pra ouvi-lo
há sempre um rio corrente, uma vaca amoada,
há sempre ele mesmo
entendem-se todos muito bem

O homem absorto em prédio
teme qualquer palavra que não seja a dita
Vive com a cabeça imersa em concreto
Teme o ridículo de falar com flor
O máximo que se aproxima,
é da ideia distorcida de deus
Sem saber que deus é tudo aquilo com que ele desaprendeu a conversar
O homem-prédio-médio
Perde-se
Emaranha-se no medo do ridículo
Chora sem ter o que o ouça
Enquanto não diz o não-dito
enquanto não canta pro dia
Não descansa o soluço
Não sossega a água do olho

Comichão

Era manhãzinha, começo de janeiro de 2018. Cecília terminava o café enquanto contava pra mim as trajetórias que ainda ardiam e ganhavam lágrima no olho.
Engoliu a seco, depois engoliu o café, por fim, o choro e concluiu:
- Quero vir ruim, quero vir muito ruim na próxima vida, minha filha. Quero vir tão ruim que quero vir homem, pra vir pior.

Desassossego


Acordo com medo da minha própria cabeça
Só ela tem o poder da sanidade
E o arranjo para que eu enlouqueça
Minha cabeça talvez
seja o bicho papão da vez
Dita a minha loucura
E é a única que detém a cura
Pra mandar meu peito
Beber calma e esperar efeito

Minha cabeça é comandante
Do exército que é meu corpo
E eu, na batalha interna
Às vezes mato
Às vezes morro

Em certas outras a tal me tem como prisioneira
Me tortura, me castiga,
me bate a noite inteira
E eu, da guerra refém,
Tenho como único escudo
O pai-nosso-amém

Conhecendo minhas armas
E de toda munição que pedi
O oponente bloqueia
Até a luz que chegava aqui
Me contorço
Me embaraço
E não importa o que eu faça

Eu não tenho dó de mim

Se essa rua fosse minha

A cidade 
não descansa os olhos
grudados ao redor dos postes
das varandas
dos satélites
a milimetrar seu cheiro
sua roupa
seus costumes e companhias

A rua
é o ser pulsante
sem coração

A rua, deveras, fosse minha
mas não me permite andar a noite
pelas avenidas, sozinha

Nos passos fundos das calçadas 
confundem-se os pés
e as histórias
que atravessaram
que pararam
que morreram no caminho

A rua me apressa
me atrasa
me assusta
me mata de fome

e depois me come

Liberdade caça jeito

Não me aperta que eu choro feito sanfona
Que eu vazo pelos seus dedos
que eu corro com medo da hora

Não me traduza que eu calo
que eu mudo meu rumo
pra não me prender

Não me procure que eu sumo
que eu visto outro traje
faço e disfarço
pra tu não reconhecer

Porque o que eu quero
é a liberdade do peito manso
do riso firme
da alma em descanso

21/04/2014



Medo de bicho

-Abre a gaiola! bradou passarinho em idioma de planta
abriu-se então, por motivo
de vento, de gente descuidada ou de destino,
sabe-se lá.

Voa, bicho!
Vai, bobo.
Passarinho, que alçava o sonho de abrir asa
não sabia mais onde era casa
aqui, acolá
protegido na grade
ou sabido de voar

deu meia hora
e o bicho entre o novo e a gaiola
sentiu no estômago o resmungo do sonho:

vida, quando se abre,
assusta.

ou te devoro

Quero escrever com o corpo Me expressar além da língua Tenho a fome maior que a barriga Já comi pão, arroz, até pasto Mas de tão guloso não me basto Enfiei na guela agua com farinha E percebi que a fome que eu tinha
a língua não lambe
a barriga não estufa 
a boca não come
me empapuço todo dia Mas vivo eternamente com fome

transvazar

Quando escrevo
Não escrevo
Me debruço
Me derramo
Me despejo

Ambivalência

A prova de que o corpo é mais inteligente que o coração:
quando caímos, ordena a cabeça:
"apoia com a mão"
quando é amor,
manda o peito:
"vai de ponta e esquece o chão".

Engasgo

Já engoli sapo
jiló
dente
caroço
e até formiga

Mas o mais difícil
ainda é engolir
o choro

Desajustados

Quem admira o universo que gira na pequena fresta de luz 
com cada poeirinha que entra 

e gira 


e flutua.


Quem conversa abobrinhas com o vento

Com os cachorros da casa e da rua
Com as crianças
e consigo mesmo

Quem comenta a beleza da chuva

Quem serenata ao tempo

Quem senta no chão

Anda descalço
Gargalha com o corpo
Sonha alto

Quem é poesia, antes de ser poeta


Lambuza-se de vida.


Jamais se enche.

As Linhas Tênues

Não confunda toda cor da liberdade com uma gaiola enfeitada
Nem a dosagem entre o remédio e o veneno
O estar acomodado com o estar pleno
O consentimento com a voz calada

Saiba distinguir a algazarra, o caos, da simples mistura

O charme do não-querer
A imaginação da loucura
O alto cargo do arbítrio de poder

Entenda a diferença entre objetificação e autonomia

Liquidação e necessidade
Satisfação e alegria
Sabedoria e idade

E, sobretudo, não prescinda do imprescindível:
O fervor da amizade com a euforia do amor
Que, de um coração partido, a dor 
é inconfundível.

Há jeito

Te amo feito bugre
Não tenho modos nem pudores para tal
Não sei ter e nem o quero

Grito feito menino
Pro mundo

(que anda precisado de flor atrás da orelha,
de cor pra dentro dela)

ouvir coisa bonita

Grito feito louca
Pro povo saber 

que de amor não ando sã

Se andasse, 
não seria amor, meu bem 

Mas se,

ainda assim, o fosse,
Não seria eu.

Ressaca

Por ela tomei jeito
Tomei juízo
Remédio
Vergonha
Chá de ervas

Não tomava mais pinga
Nem surra
Nem tomava em meus braços mais ninguém

Por amor, tomei um susto
Pois ela, depois de ter me entornado
Me tomado até o ultimo gole
Tomou outro rumo
Que tirou o meu

O aborto

Maria quis abortar
Quando estava prestes a nascer um afeto
Desses que ela nunca tivera
Desses grandes do tipo amor.
Ela não podia ter...
Não podia dar à luz àquele sentimento
Pois amor, quando nasce, dá muito trabalho se criado sozinho
Não podia... Iria alimentá-lo com o quê?
Esperança não enche barriga
Em Alberto o afeto nem chegou a querer crescer
Mas, Maria, mesmo lutando, não abortou
Em uma só noite foi gerado
E, ainda nesta,
Deu a luz
A um amor que Alberto não criou.

Acho que talvez

Por que, meu Deus, que quando a rua é curva eu quero reta,
Quando o Sol dia eu quero noite
Quando não há saída eu quero seta?

Por que quando há despedida eu quero a volta
Quando há entrega eu não quero mais
E quando se junta eu peço "solta"?

Pecado é querer demais
mas em meio à minha própria confusão
Eu só queria um pouco de paz. 

Palavrão

Tem palavra que é mais poesia que um livro inteiro
Que te faz sentir o que, há tempos, foi estancado
Que faz reabrir um machucadinho mal fechado
Um alegria verdadeira

Tem palavra que não se aguenta em um só conceito
Que é inteira demais pra comedir
Que, mesmo pequena, é imensa no sentir
Que alaga o olho e ressuscita o peito

Tem pessoa que é como palavra-poema
Que é mais poema do que pessoa.

Sobre sentir

O menino, que era um fingidor,
um poeta bem-acabado
queria ver sentido nas coisas
queria saber o motivo delas:

perguntou pra mãe
pro pai
pra tia
pro irmão

riram

foi-se embora todo doído o menino.

ele, que era danado pra sentir,
pra poesia
foi todo sentido.

Chorarê

Ando torta
Com encanamento, deveras, estourado
Ando vazando água pra tudo quanto é lado
Toda sentida
Toda sentindo
Ando comovida com o mundo
Com o passado
Com o futuro

Chorando no claro
Minguando no escuro
Mas foi sem querer
Não há motivo nem tristeza, eu juro

Com certeza, estourei um cano

Quebra de Contrato

São tempos confusos
Assim, bem malucos
Para todos: poetas, monges, caducos.
Onde o corpo anda e a alma fica
A boca quer e o orgulho cala
A voz grita mas não é ouvida
E o olho grande te faz sala

São tempos loucos
Difíceis para os que amam
Trágicos para os que sonham

São tempos poucos
Pois nunca essa vida correu tanto
E nunca se ouviu por aí tanto pranto

Acalma o peito
Chora manso
Chora por tudo que não te deram jeito
que não te deram tempo
que nem por você foi aceito
Chora pelo choro que você não pôde chorar

Acalma a alma e escuta:
a paz grita.

Conheça-te.
Entenda-te.
Respeita-te.
Respira.

Não precisa de outro emprego,
Família, carro, apartamento.
Mesmo com um mundo todo lá fora
O que pesa mais tá aí dentro.

Conselhos

corre enquanto dá!
corre, que o amor não fica muito e não gosta de esperar!
voa, menina! que o amor é meticuloso,
quando quer ir, não há quem o segure,
quando quer ficar não há quem o tire
e se forçar, ele faz birra: ou não vai ou não fica.
tudo pra contrariar.
parece e soa bonito, menina,
mas machuca mais que faca amolada

faz chorar, depois de tanto te cocegar o estômago
faz ficar, depois de tantas aprontar

é trapaceiro e joga com carta marcada
te deixa dançante e depois te traz uma saudade danada
o amor tem dois lados, menina
vem como a alegria da bebida
resiste como a ressaca da cachaça

e pode ser também vindo de um lado só
mas esse é o pior: machuca, esfola
bagunça que chega a dar dó

mas deixa ele vir, deixa ser sentido
que de emoção o humano é feito
e de amor é movido
deixa sorrir, menina,
deixa o amor ser
mas corre! que o amor tem pressa.

vê se não se estrepa

Peito aberto é levado
Como criança que sobe em árvore:
Logo se esborracha, logo tá tombado.
Chora doído
Promete pra si
Pra mãe, pros amigos
"Tô cansado, dolorido, nem pra cima eu olho mais."
Mas nem dá tempo à ferida

vê a manga madurando
quando é fé já tá no topo
rindo feito bobo
e, provável, se enganando:
"daqui nenhum vento me tira, 
daqui eu não caio mais"

canto ou prece

Brisa leve
vira vento corrosivo 
quando não se contém
o que não pode ser contido
Gota d'água 
enlouquece
quando só se ouve ela
nada de canto ou prece
Você
corroeu, me desvairou
tão forte como o vento
tão certa como a água
do meu peito desviou

sossega

inspirar sem sofrer
sofrer sem inspirar
viver sem inspirar
inspirar vida
respirar
inspirar 
expirar
expirar vida
inspirar vento
inspirar poesia
inspirar pra dentro
expirar pra fora
inspirar pra fora
ex pirar
sem parar
sem pirar
só respirar 
e inspirar

amor presente

meu amor era daqueles calmos
que de tão calmo no peito gritava

meu amor era daqueles brutos
que de tão forte amenizava
amenizava a falta
o choro
a dor
o coro

meu amor era daqueles malucos
que girava e gritava
depois grudava feito macuco

Da falta

Percebi
Que o tempo sem você
É borboleta sem uma asa
por mais que faça força
não voa
É pimenta forte
por mais que se faça careta
não passa.

O monstro

O fogo é um projeto
Um projeto de corpo, de ser
Quando cria molde quer comer
Quer comer torto, embaixo, reto
O fogo é a mão dos que sentem frio
é base pra comida gostosa
Só não deixe criar molde
só não deixe virar corpo
só não deixe sentir fome
vira monstro
se alastra
e come
como ódio de gente traída
não tem freios
não tem saída
como sonho de ambicioso
no acúmulo
no aumento de si
quer ser grande
quer grunhir

Sentinela

ô, menino,
me trouxe tanta paz que me tirou o sossego.
tanta paz que me meteu medo.
tanta cor, que turvou a vista.
tanta luz, que me abriu o olho.

me alinhou à tortidão.

e me disse tantas coisas
que eu, finalmente, me escutei.

Libre 2

Sinta:
Tô cheirando à liberdade.
Viajando pra qualquer lugar
Matando a vontade
E o que traz gosto talvez não seja a comida
mas a maneira com que se come
Batendo asas
Cada dia um nome
Cada dia um cheiro
Cada dia, um novo dia,
um novo lugar,
pra quem é daqui e ao mesmo tempo de lá.

Libre

O que é liberdade?
Liberdade não é nada.
Quem é livre não é. 
                         Quem 
é
                                                       livre 


                            está.

dos dias cinzas

Chuva aumenta,
Chuva aumenta tudo.
Aumenta o passo,
Aumenta o sono,
O cinza do dia,
Aumenta o pano

Aumenta a pressa,
Desconcerta a hora,
Aumenta a calça
e a demora

Aumenta a manha,
Aumenta o choro,
Aumenta a fanha,
Aumenta tudo.

Chuva machuca
Porque chuva a saudade aumenta
Quanto mais água cai,
Quanto mais frio venta.

Ser vida

Seguir
serguia
seguiar
serreerguer.
Com os pés,
com as mãos,
com o tronco.
Mesmo que o vento seja contrário
ou que a alegria não venha no horário
Mas seguir,
erguer,
guiar.
Seus pés,
suas mãos,
seu tronco


Sobre dimensões


E vou eu, meu amigo, na tentativa de me recompor, sem que, muito embora, saiba do que sou composto. Sabe lá alguém? Há, por certo, os que dizem que sim, e encontram mais pedaços de si para, de fruta madura, voltar a ser semente. Riscos talvez caibam em forma, nunca em carne quente. Delimita-se a porção de feijão, a dimensão da estrada, o ritmo do coração. Mas não se encaixa o grau da fome, a dor da saudade, o tamanho da paixão.
(Texto meu e de meu pai, Ricardo Naves).


Copos e corpos

Eram umas tantas vezes
Tantas horas
Passadas das três
Cheiro de café
Suco de amora
Co(r)po derramado
Não há suco, nem café
Muito menos amora
Sou eu derramando
compulsões e dores de outrora

                     Desenho: Pedro Britto

Sinto a mim

Ilustração louquissima que um amigo, Túlio Hermano, fez do primeiro texto que postei no blog "Sinto a mim".

Coração borrado

Minha caneta falhou. entupiu. estourou
A carta que para ti escrevia borrou, borrou tudo
Borrão desgramado, me fez esquecer os motivos por trás de toda raiva
Borrão nojento, me escapou o rancor
Ai ai, suspiro profundo.
Ai ai, saudade danada.
Aperto de abraço seu braço do lado
Aperto de abraço sem braço do lado
Presença abusada de ficar sem ter ninguém
Presença descarada, espectro de alguém
Peito doído, ressentido, amuado

Empacado na estrada, sentei pra pensar
Visão turva em caminho danoso
Me acanho, mas viro, me volto, me entorto

Numa carta de despedida, o borrão manchou.

Espectro de um amor

Me diga que à minha espera te encontrarei. Que naquele banco repleto de folhas de um outono qualquer estará você, que naquela primavera cheia de flores, no mesmo banco estará você, que não importa o quão cálido, o quão quente esteja o cimento daquele assento no verão, nem o quão álgido ele se faça. Só me diga que você estará lá. E eu te direi que diante de todas as folhas secas que hão de cair, de todas as flores que desabrocharem, de todo ardor de um cimento quente e de todo frio que possa fazer, eu estarei do seu lado, abrindo meu peito para sua proteção, abrindo meu corpo para te segurar e mantendo meus olhos presentes e abertos, pra vigiar todas esquinas suspeitas de quererem te levar.

Sinto a mim

Sinto tua falta, amor, mas sinto mais a minha. De como minha risada saía involuntária e tranquila quando o meu travesseiro era teu peito. De como meu coração chegava a me sacudir ao te ver. Do arrepio da minha nuca com a tua respiração. De fugir rumo ao teu colo. Do meu cheiro com o teu. Do encaixe da minha língua com a tua. Do teu peso em cima de mim. De me ter tomada por felicidade, mesmo quando o tempo era contrário. Do nosso corpo. De ter amor. De ser amor. De sermos nós.
...ai, ai, como eu sinto falta de mim!