Desassossego


Acordo com medo da minha própria cabeça
Só ela tem o poder da sanidade
E o arranjo para que eu enlouqueça
Minha cabeça talvez
seja o bicho papão da vez
Dita a minha loucura
E é a única que detém a cura
Pra mandar meu peito
Beber calma e esperar efeito

Minha cabeça é comandante
Do exército que é meu corpo
E eu, na batalha interna
Às vezes mato
Às vezes morro

Em certas outras a tal me tem como prisioneira
Me tortura, me castiga,
me bate a noite inteira
E eu, da guerra refém,
Tenho como único escudo
O pai-nosso-amém

Conhecendo minhas armas
E de toda munição que pedi
O oponente bloqueia
Até a luz que chegava aqui
Me contorço
Me embaraço
E não importa o que eu faça

Eu não tenho dó de mim

Se essa rua fosse minha

A cidade 
não descansa os olhos
grudados ao redor dos postes
das varandas
dos satélites
a milimetrar seu cheiro
sua roupa
seus costumes e companhias

A rua
é o ser pulsante
sem coração

A rua, deveras, fosse minha
mas não me permite andar a noite
pelas avenidas, sozinha

Nos passos fundos das calçadas 
confundem-se os pés
e as histórias
que atravessaram
que pararam
que morreram no caminho

A rua me apressa
me atrasa
me assusta
me mata de fome

e depois me come

Liberdade caça jeito

Não me aperta que eu choro feito sanfona
Que eu vazo pelos seus dedos
que eu corro com medo da hora

Não me traduza que eu calo
que eu mudo meu rumo
pra não me prender

Não me procure que eu sumo
que eu visto outro traje
faço e disfarço
pra tu não reconhecer

Porque o que eu quero
é a liberdade do peito manso
do riso firme
da alma em descanso

21/04/2014



Medo de bicho

-Abre a gaiola! bradou passarinho em idioma de planta
abriu-se então, por motivo
de vento, de gente descuidada ou de destino,
sabe-se lá.

Voa, bicho!
Vai, bobo.
Passarinho, que alçava o sonho de abrir asa
não sabia mais onde era casa
aqui, acolá
protegido na grade
ou sabido de voar

deu meia hora
e o bicho entre o novo e a gaiola
sentiu no estômago o resmungo do sonho:

vida, quando se abre,
assusta.