poema manoelês

O homem embebido de mato
Sabe falá-lo como ninguém
Nasceu sabido da complexa língua dos gafanhotos
e desde aí sabe o que dizer a qualquer outro bicho que pula, corre ou voa
Decodifica o céu escuro
E incorpora qualquer água ao corpo
O homem que aprende a falar
Faz da palavra o que quer que ela queira ser
Até mesmo palavra alguma

O homem do mato fala muito
mesmo que não saiba letra-ponto-vírgula
mesmo que não haja outro de sua espécie pra ouvi-lo
há sempre um rio corrente, uma vaca amoada,
há sempre ele mesmo
entendem-se todos muito bem

O homem absorto em prédio
teme qualquer palavra que não seja a dita
Vive com a cabeça imersa em concreto
Teme o ridículo de falar com flor
O máximo que se aproxima,
é da ideia distorcida de deus
Sem saber que deus é tudo aquilo com que ele desaprendeu a conversar
O homem-prédio-médio
Perde-se
Emaranha-se no medo do ridículo
Chora sem ter o que o ouça
Enquanto não diz o não-dito
enquanto não canta pro dia
Não descansa o soluço
Não sossega a água do olho