O monstro

O fogo é um projeto
Um projeto de corpo, de ser
Quando cria molde quer comer
Quer comer torto, embaixo, reto
O fogo é a mão dos que sentem frio
é base pra comida gostosa
Só não deixe criar molde
só não deixe virar corpo
só não deixe sentir fome
vira monstro
se alastra
e come
como ódio de gente traída
não tem freios
não tem saída
como sonho de ambicioso
no acúmulo
no aumento de si
quer ser grande
quer grunhir

Sentinela

ô, menino,
me trouxe tanta paz que me tirou o sossego.
tanta paz que me meteu medo.
tanta cor, que turvou a vista.
tanta luz, que me abriu o olho.

me alinhou à tortidão.

e me disse tantas coisas
que eu, finalmente, me escutei.

Libre 2

Sinta:
Tô cheirando à liberdade.
Viajando pra qualquer lugar
Matando a vontade
E o que traz gosto talvez não seja a comida
mas a maneira com que se come
Batendo asas
Cada dia um nome
Cada dia um cheiro
Cada dia, um novo dia,
um novo lugar,
pra quem é daqui e ao mesmo tempo de lá.

Libre

O que é liberdade?
Liberdade não é nada.
Quem é livre não é. 
                         Quem 
é
                                                       livre 


                            está.

dos dias cinzas

Chuva aumenta,
Chuva aumenta tudo.
Aumenta o passo,
Aumenta o sono,
O cinza do dia,
Aumenta o pano

Aumenta a pressa,
Desconcerta a hora,
Aumenta a calça
e a demora

Aumenta a manha,
Aumenta o choro,
Aumenta a fanha,
Aumenta tudo.

Chuva machuca
Porque chuva a saudade aumenta
Quanto mais água cai,
Quanto mais frio venta.

Ser vida

Seguir
serguia
seguiar
serreerguer.
Com os pés,
com as mãos,
com o tronco.
Mesmo que o vento seja contrário
ou que a alegria não venha no horário
Mas seguir,
erguer,
guiar.
Seus pés,
suas mãos,
seu tronco


Sobre dimensões


E vou eu, meu amigo, na tentativa de me recompor, sem que, muito embora, saiba do que sou composto. Sabe lá alguém? Há, por certo, os que dizem que sim, e encontram mais pedaços de si para, de fruta madura, voltar a ser semente. Riscos talvez caibam em forma, nunca em carne quente. Delimita-se a porção de feijão, a dimensão da estrada, o ritmo do coração. Mas não se encaixa o grau da fome, a dor da saudade, o tamanho da paixão.
(Texto meu e de meu pai, Ricardo Naves).